Reparando no post anterior, sobre livros que retratam o universo LGBTQI+ (desculpem, mais uma vez, repito, não sou lgbt e não estou atualizado nas siglas e categorias), no dia de seu orgulho, vi que o livro do meu amigo escritor Carlos Eduardo Pereira, "ENQUANTO OS DENTES", está na lista :D
É mais do que óbvio que eu jamais colocaria aqui o livro para baixar, porque o Carlos está começando uma brilhante carreira de escritor, que ainda vai trazer obras maravilhosas, mas não há qualquer certeza que ganhará "milhões"... e este é o meu critério de "pirataria".
Então, COMPREM O LIVRO, como eu o fiz. Na minha sincera opinião, a qual nem para ele disse, o livro é extremamente bem escrito, o que o insere na grande tradição da literatura brasileira.
Abaixo, o link na cultura, PARA COMPRA:
https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/literatura-nacional/romances/enquanto-os-dentes-46740948
É mais do que óbvio que eu jamais colocaria aqui o livro para baixar, porque o Carlos está começando uma brilhante carreira de escritor, que ainda vai trazer obras maravilhosas, mas não há qualquer certeza que ganhará "milhões"... e este é o meu critério de "pirataria".
Então, COMPREM O LIVRO, como eu o fiz. Na minha sincera opinião, a qual nem para ele disse, o livro é extremamente bem escrito, o que o insere na grande tradição da literatura brasileira.
Abaixo, o link na cultura, PARA COMPRA:
https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/literatura-nacional/romances/enquanto-os-dentes-46740948
Ainda, uma resenha do livro escrita pelo portal SUPLEMENTO PERNAMBUCO:
Uma construção narrativa, todo mundo sabe, se faz a partir de escolhas. Para escrever o Enquanto os dentes,
tive que fazer as minhas. Há inúmeras possibilidades de leitura para
cada uma dessas escolhas, incontáveis, ou possibilidades de
interpretação (e é esse o grande barato da literatura), apresento
algumas.
O primeiro elemento sobre o qual me debrucei foi o narrador.
Precisava encontrar uma voz que conduzisse tudo. A questão era definir
se seria o Antônio contando a sua própria história ou se faria mais
sentido utilizar um narrador em terceira pessoa. Acabei optando por
alguém que vai junto, que acompanha o protagonista por todo lugar (e,
assim, talvez trazendo com ele o leitor), alguém que sempre esteve
colado nesse protagonista, que sabe tudo que ele pensa e sente. Um
narrador que observa e, apenas, relata. Ele até traz para nós algumas de
suas opiniões, claro (afinal, temos acesso somente ao que ele escolhe
para jogar uma luz em cima), mas não me interessava que ele fosse uma
espécie de apresentador de programa-dramalhão-da-tevê.
(O livro toca em assuntos relevantes, e que, felizmente, estão sendo
discutidos em diversas arenas contemporâneas: o lugar, ou lugares que os
negros ocupam em nossa sociedade; a questão, ou questões relativas aos
deficientes físicos; a pauta, ou pautas relacionadas à intolerância. Mas
seriam todos esses assuntos pertinentes para o registro romance? A
intenção era escapar do panfletário, fugir das soluções prontas (que nem
existem e, se existissem, eu não saberia reconhecer, tenho certeza).
Entendo que determinadas bandeiras, que pessoalmente são bandeiras
minhas, precisam vir por cima de tudo, na comissão de frente, mas por
baixo delas deve haver uma série de outras camadas, camadas que apontam
para o que há de comum a todos, que apontam para as questões universais.
Um pouco por isso escolhi não nomear nenhuma rua que aparece no Enquanto os dentes,
nenhum bairro, nenhuma praça (ninguém percebe, mas o livro descreve
lugares sem nomeá-los), porque talvez algo que ocorra no Rio também
ocorra em Manaus, a Baía de Guanabara talvez caiba em outras baías. Um
outro motivo, esse relacionado às questões internas do protagonista, é
que Antônio se torna cadeirante em determinado momento de sua vida, mas
ele sempre teve uma relação de movimento e contato com a cidade, e quer
seguir com essa relação, só que agora a cidade é outra, seus pontos de
referência mudaram. É diferente andar pelas calçadas, é diferente
frequentar os lugares. Então, se o Antônio é outro e a cidade é outra,
os lugares não podem ter o mesmo nome, já são outros lugares. Acredito
que a ficção, por uma potência estética que ela tem, pelo uso de
símbolos – que são símbolos, sim, mas nem por isso são menos reais –, a
ficção possui um caráter altamente transformador da realidade. É minha
aposta.).
Certa vez, enquanto eu passava em frente ao terminal das barcas, na
Praça XV, pensei: e se o cadeirante Antônio tivesse que cruzar a Baía
para chegar ao seu destino? Fazia sentido, já que eu tinha me proposto a
fazê-lo circular pela cidade usando diferentes tipos de transporte
público, trabalhando uma realidade que é minha também, de todo dia,
propondo uma investigação de como nos relacionamos com os centros
urbanos de hoje, uma investigação que está sendo revista o tempo todo.
Ainda tinha que o mar tem seus movimentos, suas instabilidades, e isso
se encaixava muito bem no que eu procurava. O livro acontece no período
de algumas horas de um dia no Rio de Janeiro, quando Antônio precisa
(mas não quer de jeito nenhum) ir para um lugar determinado. É possível
imaginar que ele tenha tentado se manter em movimento enquanto pôde, por
isso talvez seja possível também que esse trajeto se dê de maneira
truncada, avançando e recuando, avançando e recuando. Procurei traduzir
essa vacilação na forma: o Enquanto os dentes é um livro
contínuo, sem divisões em capítulos ou partes, numa tentativa de
exprimir formalmente esse desejo de se manter em movimento, e essas
vacilações, esse “vou, mas não quero”, de Antônio. Se num parágrafo ele
está seguindo em frente (tomando contato com as coisas e com as pessoas
com quem ele esbarra no caminho), no próximo pode ser que ele seja
transportado para o passado (movido por gatilhos que encontra nessas
mesmas coisas e nessas mesmas pessoas com quem ele esbarra), sem aviso,
num fluxo próprio do pensamento mesmo. E os obstáculos físicos da cidade
também espelham seus obstáculos emocionais, quando um rebaixamento no
meio-fio está de um lado da calçada, facilitando a circulação, mas não
está do outro, forçando um desvio improvisado.
Uma outra escolha, quem sabe relevante, é a da construção meio
apagada dos personagens. Jogar muita luz, por exemplo, nas
características físicas de um personagem ou de outro, às vezes faz
cegar. Podia ser, em alguns casos, que esmiuçando muito eu acabasse
direcionando demais a leitura. Eu sempre procuro optar por uma condução
mais discreta, deixando umas sombras (que, sim, são partes integrantes
da composição e das motivações de um personagem) para o leitor. O
próprio Antônio, novamente para exemplificar, só fala em discurso direto
uma única vez, a última palavra do livro. E foi muito nessa linha que
cheguei àquele final, um final de interjeição, de dúvida, de um silêncio
que talvez contraste com esses nossos tempos ruidosos.
* Carlos Eduardo Pereira é escritor e recentemente lançou seu primeiro livro, Enquanto os dentes (Todavia).
Abaixo, um pequeno teaser-trailer com o próprio autor falando da obra: